Paulo Almeida JúniorI; Thiago de Santana SantosII; Paulo Nand KumarIII; Paulo Ricardo Saquete Martins FilhoII, IV; Ricardo Wathson Feitosa de CarvalhoV
IPhD.
Professor da Disciplina de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial
do CESMAC – Maceió/AL. Cirurgião Buco-Maxilo-Facial do Hospital
Governador João Alves Filho – Aracaju/SE
IICirurgião-Dentista graduado pela Universidade Federal de Sergipe - Aracaju/SE
IIICirurgião-Dentista do Serviço de Odontologia Hospitalar do Hospital Governador João Alves Filho – Aracaju/SE
IVMestrando em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de Sergipe - Aracaju/SE
VCirurgião-Dentista graduado pela Universidade Tiradentes - Aracaju/SE
IICirurgião-Dentista graduado pela Universidade Federal de Sergipe - Aracaju/SE
IIICirurgião-Dentista do Serviço de Odontologia Hospitalar do Hospital Governador João Alves Filho – Aracaju/SE
IVMestrando em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de Sergipe - Aracaju/SE
VCirurgião-Dentista graduado pela Universidade Tiradentes - Aracaju/SE
RESUMO
Ferimentos
a faca cravados na região maxilofacial são raros e pouco relatados na
literatura. A importância do conhecimento acerca desses incidentes está
no risco de vida ao paciente, especialmente nos casos em que envolvem
estruturas cranianas nobres, grandes vasos sanguíneos e obstrução das
vias aéreas por hemorragia. Será relatado um caso de um paciente do
gênero masculino de 22 anos que foi ferido em uma briga e deu entrada no
hospital com uma faca de cozinha cravada na região lateral do nariz e
que tinha comunicação com a cavidade bucal. Apresentava-se consciente,
hemodinamicamente estável e com as vias aéreas permeáveis. Foi realizado
anestesia geral, e a faca foi removida, com cuidados, pela mesma via de
entrada.
Descritores: Ferimentos Penetrantes. Ferimentos Perfurantes. Traumatismos Faciais.
ABSTRACT
Impacted
knife injuries in the maxillofacial region are uncommon and scarcely
reported in the literature. Knowledge regarding knife-inflicted trauma
is of paramount importance because these injuries are life-threatening,
especially in cases involving vital cranial structures, large blood
vessels and airway obstruction caused by hemorrhage. Here we report the
case of a 22-year-old male who sustainted a stab wound during a fight
and was admitted to hospital with the blade of a kitchen knife lodged in
the lateral region of the nose communicating with the oral cavity. The
patient was conscious, stable hemodynamically, and presented permeable
airways. General anesthesia was administered and the blade was carefully
removed through the life entrance wound.
Keywords: Wounds, Penetrating. Wounds, Stab. Facial Injuries.
INTRODUÇÃO
O
termo Síndrome de Jael tem sido utilizado na literatura baseado na
passagem bíblica sobre o homicídio de Sisera por Jael (Judas IV:21). De
acordo com Mckechnie1 o primeiro relato dessa Síndrome foi
atribuído a Jefferson em 1968, o qual descreveu um grave ferimento
acidental na região temporal de um garoto de 16 anos. Harris et al.2 definiram a Síndrome como um ferimento a faca, intencional, na região crânio-facial.
Os
ferimentos a faca na região maxilofacial são relativamente raros, porém
aqueles em que o objeto encontra-se cravado são extremamente raros e
pouco relatados na literatura mundial3,4. Este tipo de
ferimento pode levar o paciente a óbito, uma vez que pode atingir
grandes vasos sanguíneos e ocasionar hemorragias. Quando há comunicação
do ferimento com a cavidade oral ou nasal, esse sangramento pode ainda
promover obstrução das vias aéreas5.
A
abordagem nesse tipo de lesão deve ser sequencial e multidisciplinar,
iniciando-se pela unidade de trauma que deverá promover manutenção das
vias aéreas, estabilização hemodinâmica e ocasionalmente avaliação
neurológica, oftalmológica e vascular2,6.
Com
o objetivo de evidenciar e discutir o diagnóstico e tratamento desse
tipo de lesão, será descrito um caso de ferimento a faca cravada na
face.
RELATO DO CASO
Paciente
do gênero masculino, feoderma, 22 anos, vítima de ferimento por arma
branca foi conduzido à Unidade Hospitalar de Trauma com uma faca de
cozinha inserida na região paranasal direita (D). Durante anamnese, ele
relatou ocorrência de trauma durante uma agressão física, negando
ocorrência de episódio emético e/ou perda de consciência.
Durante
o primeiro atendimento, dentro dos requisitos protocolares do ATLS, o
paciente encontrava-se consciente e orientado (Glasgow 15),
hemodinamicamente estável (pressão arterial de 120/70 mm Hg, hemoglobina
12,0 g/dl) e vias aéreas permeáveis.
Ao
exame físico extrabucal, observaram-se ferimentos corto-contusos em
regiões supraorbitária direita (D) e paranasal (D), com penetração e
impacção de uma faca em região paranasal (D) (Figura1 A;B).
A disposição da faca na face denotava que o mecanismo da agressão foi
deflagrado em sentido oblíquo, ântero-posterior, lateral-medial e de
cima para baixo. Intrabucalmente, a presença da lâmina denotava um
ferimento transfixaste, da região paranasal (D) para cavidade bucal, com
a lâmina da faca sendo visualizada no palato duro à esquerda (Figura 2). A acuidade visual e motilidade ocular encontravam-se preservadas, e, em nenhum outro sistema corporal, havia alterações.
Foram
realizadas radiografias em incidência póstero-anterior, lateral de
crânio e perfil de face, para visualização da extensão, posição e
trajeto da faca, apresentando penetração de aproximadamente nove
centímetros em viscerocrânio (Figuras 3-A;B), não tendo penetração intracraniana.
Na
oportunidade, foi realizada profilaxia antitetânica. O paciente foi
submetido a procedimento cirúrgico, sob anestesia geral, para remoção da
faca, sendo realizado movimento em sentido oposto ao mecanismo do
trauma, não apresentando intercorrências hemorrágicas (Fig.7),
prosseguindo-se irrigação copiosa com solução salina e síntese por
planos (Figuras 4-A;B;C).
Durante o pós-operatório, não foram observados intercorrências, recebendo alta hospitalar dois dias após, não mais retornando para controle ambulatorial.
DISCUSSÃO
Ferimentos a faca cravados na face são raramente descritos na literatura. Cohen e Boyes-Varley7 relataram quatro casos de uma série de 37 pacientes com ferimentos penetrantes na face; Harris et al.2 descreveram quatro casos na região maxilofacial; Hudson6, em seu estudo na África do Sul, observaram quatro casos em um período de quatro anos; Shinohara Heringer e Carvalho8 demonstraram dois casos que ocorreram na mesma noite; Daya e Liversage3, em estudo na África do Sul, discutem 10 casos com esse tipo de lesão; Subburaman et al.4
relatam um caso recente, semelhante ao descrito neste artigo, em que a
faca penetrou abaixo da pálpebra inferior esquerda e se comunicou com a
cavidade oral, lacerando o palato.
Uma
revisão dos aspectos socioeconômicos de 254 vítimas de ferimentos a
faca e por arma de fogo foi descrita por Jett Van Hoy e Hamut9.
As características dos pacientes estudados foram: homens negros, idade
entre 15 e 35 anos, usuários de droga e baixo nível socioeconômico. Os
incidentes ocorreram geralmente na sexta ou sábado à noite, entre 21 e
02h, ocasionados por brigas caseiras. O caso aqui relatado está
parcialmente de acordo com a literatura, pois o paciente é do sexo
masculino, apresentando 22 anos de idade, de baixo nível socioeconômico,
tendo a agressão ocorrido na noite de sábado.
O exame clínico do paciente que apresenta ferimento a faca cravado na face deve ser realizado de uma forma sistemática6. Segundo Cohen e Boyers-Varley7
a região geniana é a mais acometida por esse tipo de ferimento, e
nestes deve-se observar estruturas anatômicas importantes, como o nervo
facial, glândula parótida e ducto parotídeo. Sangramento ativo do
ferimento, presença de hematoma crescente, baixo nível de hemoglobina e
presença de sinais de choque hipovolêmico durante admissão são indícios
de lesão vascular associada10. A acuidade e motilidade ocular
devem ser investigadas, pois ferimentos penetrantes na órbita estão
freqüentemente associados a trauma ocular severo2,7,11. Nesse
relato de caso, o ferimento ocorreu na região paranasal, não havia dano
a estruturas anatômicas, não existiam indícios de lesão vascular
associada, e a acuidade e motilidade oculares estavam preservadas.
Duas
tomadas radiográficas (frontal e lateral) devem ser realizadas para
determinar a localização do corpo estranho e sua relação com a fossa
craniana2,3,8. No caso descrito, foram realizadas
radiografias póstero-anterior e lateral de crânio, confirmando o trajeto
descendente da lâmina da faca. Em casos mais complexos, a tomografia
computadorizada torna-se imprescindível e um importante meio diagnóstico
de lesões neurológicas. No caso de suspeita de lesão vascular ou
proximidade anatômica com grandes vasos, pode-se realizar angiografia3,10. De acordo com Scheepers e Lownie12, e Subburaman et al.4,
nos casos de hemorragias em locais inacessíveis, a angiografia, além de
localizar o vaso sanguíneo, pode obstruí-lo através da embolização
seletiva.
O tratamento
deve priorizar inicialmente a estabilização do paciente com avaliação e
manutenção das vias aéreas superiores, seguido de controle hemodinâmico e
avaliação neurológica5. Somente após este atendimento
primário, é que se deve proceder à remoção cuidadosa da lâmina da faca
pelo mesmo trajeto de entrada, procedimento este melhor realizado sob
anestesia geral2-4,7,8,13,14. O ferimento deve ser explorado, realizado hemostasia, irrigação copiosa com solução salina e sutura por planos8. Recomenda-se que sejam prescritos antibióticos durante o período pré e pós-operatórios bem como a profilaxia antitetânica2,3,6-8.
O paciente aqui apresentado foi submetido à anestesia geral e a faca
removida, cuidadosamente, sem dificuldades, pelo mesmo trajeto de
entrada. Todos os cuidados pertinentes ao ferimento foram tomados bem
como antibioticoterapia e profilaxia antitetânica.
Shinohara Heringer e Carvalho8
julgam a baixa ocorrência de ferimentos a faca cravados na região
maxilofacial ao mecanismo de autodefesa, no qual a vítima acaba
protegendo a face com as mãos durante a agressão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário